segunda-feira, 6 de maio de 2013

Grito Gravura

Aqueles dois não iriam se conhecer: moravam em cidades diferentes, ela era fiel e ele cético, além do fato de que um curtia baladas demais e o outro de menos. Mas, naquele fatídico ano, vivenciaram dor similar: ele perdeu o pai em setembro, ela enterrou a mãe em outubro. Mesmo assim, não iriam se conhecer: ela era casada e ele era apaixonado pela namorada, além disso, ele tinha fetiche por cabelos curtos, sendo que ela adorava longos fios pelas costas. Para completar, ele trabalhava em transparente solidão, enquanto ela tinha plateias a encarar. Era fato: não iriam se conhecer.

Porém, mesmo com o fato – bem fato - de que não iriam se conhecer, coincidentemente criaram a mesma solução para não enlouquecer: um blog. Cada um tinha a sua técnica específica, mas sem qualquer explicação lógica, diziam as mesmas coisas. Assim, aqueles dois que não iriam se conhecer de forma alguma, se conheceram. Rapidamente, tornaram-se próximos, ainda que em distância na maior parte do tempo. Mas não formavam uma combinação trivial: seus diálogos aconteciam somente através de histórias e formas que encontravam em músicas que compartilhavam.

A troca tornou-se instigante para ambos, mas passaram a querer a presença um do outro. Não para tocar. Não para falar. Apenas para estar. Assim, combinaram que os encontros seriam às segundas-feiras. Para tal, acharam um lugar que tornou-se perfeito: um gramado bem verde, tão verde, igual àqueles dos contos inventados. Levaram caixas de som e as colocaram cuidadosamente separadas, de forma que os dois pudessem deitar entre elas. Tal qual o ritual que muitos têm, como ir ao hospital visitar os parentes moribundos aos domingos – e somente aos domingos - aqueles dois ouviam música juntos, sem nunca ter faltado no dia acordado. Com os olhos fixos para o céu, e as orelhas coladas aos aparelhos, por muitos anos, mantiveram a relação dessa forma, em perfeita sintonia.

Dizem que nunca conversaram absolutamente nada, pois acreditavam que somente se esvaziando em silêncio é que podiam ouvir o outro. Digo, ouvir as músicas, pois sequer conheciam a voz do par. Até então, nunca fora necessário, pois sentiam-se beijados pelos gêneros e batidas, completamente abraçados pelas letras, gritos e instrumentos, chegando até mesmo a gozar pelas dissonâncias, histórias e agudos, pois seus corpos reagiam como se estivessem a transar por horas, enquanto a respiração acelerava graças às juras de amor, provocadas pelos cantos e sussurros.

Não sei se continuaram felizes, se foi exatamente assim que aconteceu, ou se tudo que contei é mera ficção. Propositalmente, não perguntei pelo final, pois nem toda história de amor precisa ser difícil ou trágica, ainda que - para isso - às vezes seja necessário cortar o fio, antes que o novelo se desfaça em disforme e complicado nó.

(Agradeço a querida amiga Larah, pela imagem linda que me trouxe, das caixas de som sendo compartilhadas por duas pessoas, enquanto observam o céu)


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