Era uma vez (ou não era) uma criatura, tão
criatura, mas tão criatura que não existia como bicho, nem gente. Não era nem
planta ou pedra. Vivia na Terra dos Feios, onde era admirada e temida por sua
irretocável e incorrigível beleza.
Um dia, exaurida que estava do belo de sua própria
pessoa, tal qual os homens das sombras, resolveu andar além do limite da cidade
dos feios, esperançosa de não encontrar espelho ou elogio. Finalmente, avistou
construções, até que conheceu a Terra dos Belos, onde descobriu-se a mais feia.
Com o ego, até então, concreto e duro como rocha, manteve-se por lá, a fim de
desafiar todos a vencer sua beleza. Porém, os dias passaram e a segurança que
sustentava frente aos ocupantes da cidade vizinha começou a esvaziar em lenta
inveja e dor.
Voltou para casa, dizendo que conhecera uma terra
infinitamente mais rica, afetuosa, justa e verdadeira do que a Terra dos Feios.
Lugar este onde, segundo a criatura, reconheceram ainda mais a beleza da
criatura, além de terem-na tratado como a rainha que de fato era. Mas -
continuando o relato - decidiu voltar por pena para a Terra dos Feios, pois
certamente sofreriam demais com sua ausência.
A curiosidade tomou conta daquela terra e todos
imploravam à Criatura que contasse histórias sobre aquele esplendoroso lugar e,
ainda, como havia triunfado sob terra tão bela. A Criatura tinha certeza que
logo cessaria o frisson, porém os meses passavam e a agitação só fazia crescer.
Ela passou a não suportar ter de sustentar a própria invenção, até que
enlouqueceu: passou a falar, falar, falar, falar, falar, falar, falar sobre a
Cidade dos Belos, sem qualquer interrupção, sem nem mesmo precisar que a
perguntassem.
Suicidou-se no dia nove de maio, quando se deu
conta que jamais sairia da Cidade dos Belos, presa que estava pela própria
lembrança. Assim, a Criatura foi assassinada pela memória, que nunca cansou de
dizer: “Tu és a mais feia que existe. Tens nome de vilã - e fedor de banana
podre - não por acaso, mas para cumprir seu destino de criar esgoto, enquanto
criamos o oposto. Pobre e iludido daquele te vê bela, ó medíocre Criatura”.
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