Após dar costas ao que não mais era,
súbita fome a guiou ao largo lago, que outrora fora rio daquela mulher. Encontrou
o cenário tal qual em memória, porém, distinto no que mantinha rancor: percebeu
um herói que não buscava glória. A água do lago deixara de escorrer em música,
tornando-se simétrico e silencioso parar. Virara espelho que a refletia como
única.
Tal qual bêbada pelo que viu (re)conhecer, banhava-se nua no lago, sem faltar dia: ansiava provocar ondas e saber se ele falseava nunca se mexer. Completaram-se exatos 406 dias no calendário daquela aguda rotina de guerra. Mas, para horror dela, tudo manteve-se ordinário. Subitamente, violento ódio tomou conta da mulher. Saltou furiosamente no lago, como onça encontrando carne que berra, após um longo jejum de inverno. Socava cada gota que ousava tocar seu corpo, em completo desespero, em incontrolável dor, em moer.
“Maldito lago, por que me negas teu movimento? Por que tens a pretensão de manter-se o mesmo, imóvel, enquanto danço e me afogo inteira em ti? Desgraçado! Não vês que és inteiro meu reflexo?”, esbravejava. “Como me exige rio, sendo que sempre fui lago? Se vistes só agora, a culpa é apenas tua, pois tornou-se cega, pela vaidade que nutre pela própria paixão que sentes. E não tentes ser dona de mim, pois também és espelho. Além, quando foi que te convencesses que o único, e melhor jeito de amar é o teu, ou seja, em completo e intenso vermelho?
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